Por Raissa Segantini
O documentário Vale?, dirigido por Eric Moreira, conta de forma cronologicamente perfeita sobre os enfrentamentos dos moradores ao desconhecido, seus dramas reais e os confusos desdobramentos, após o crime ambiental cometido pela indústria de mineração Vale S.A. no início do último ano, em Brumadinho – MG.
Não se trata de um filme com atuação e enredo planejado, mas os relatos contados e questionamentos ou respostas colocadas durante reunião da população do município e suas lideranças são colocados numa ordem narrativa tão coerente que fazem com que o documentário leve o espectador a imaginar um personagem naquela situação. Isso é muito importante para aproximar o público das pessoas que viveram de fato essa realidade trágica e entender seus processos, ou seja, humanizar o documentário. Por mais que uma construção jornalística seja sempre algo bem mais real que um filme, nem sempre
consegue atrair a empatia, portanto, esse é um ponto positivo de Vale?. Em apenas vinte minutos de duração, informação e arte casam-se sutilmente.
É possível imaginar um morador de Brumadinho sendo acompanhado como protagonista de um filme, após o rompimento da barragem, com apresentação,
desenvolvimento, clímax e desfecho – por mais que o desfecho, neste caso, tenha sido o desespero de não ver a mineradora lidando coerentemente com seus atos e resolvendo ao máximo os problemas causados, ou seja, a empresa não promoveu o desfecho necessário. O que o documentário faz é justamente deixar isso em aberto no final, causando aquele incômodo de coisas mal resolvidas e uma história que se perpetua em revolta, sem fim adequado para aquilo que nem deveria ter começado.
A qualidade da produção do curta superou a de muitos filmes na programação do festival, lembrando que obras ficcionais possuem mais tempo para organizações prévias e gravações, enquanto documentários não possuem tantas possibilidades de montagens e pré-produção, principalmente os que lidam com notícias imprevisíveis e recentes. Nota-se, no resultado, como a equipe lidou muito bem com o caráter emergencial da situação que quis retratar, pensando na agilidade exigida, sem deixar de tomar cuidado com a dor coletiva. Além disso, conseguiu expor, objetivamente a qualquer público, diversas
expressões de uma comunidade, mesmo quando esta não sabia ainda o que sentir. Nesse aspecto, a preocupação com a pós-produção também ficou evidente. A equipe de produção participante da mostra Competitiva Regional 2 também é composta por Pedro Bisao e Ariel Cristian.