Por Noah Mancini
Fevereiro de 2018.
Eu e Xzcrzm (comumente pronuncia-se “Crazy”) chegávamos em Valença, cidade localizada no sul do Estado do Rio de Janeiro, a tal da “Princesinha Fluminense”.
Era drinks o dia inteiro; Velho Barreiro comprada no Venturão misturada com belíssimos sucos naturais, feitos de laranja, cenoura, limão e demais frutas e legumes na promoção que encontrávamos. “Chegamos até a subir nos muros do Balbina para catar romãs maduros e complementar nossos manjares”, disse Davi, atriz do filme. Fora os almoços veganos saturados de carboidratos – de vez em quando umas verduras, afinal “equilíbrio é tudo” – a fim de abastecer o organismo inundado de etílico.
Servíamos bons looks todas as noites para dar rolê na matriz, a igreja principal, catedral daquele território provinciano e onde a vida social ainda girava em torno. Enquanto isso, para o temor da população, buscávamos alguma fonte de arte-vida no meio do panorama bucólico e desacostumado com a performática cotidiana. A incompreensão por parte de muitos cidadãos, ora apáticos, ora surpresos, garantia certa parcela d nosso divertimento.
A ideia do roteiro era traçar uma perseguição em busca de algo: nessa trama, algo que pudesse ser metafórico e não precisássemos de grandes explicações verbais, uma vez que pretendíamos deixar o cinema o mais acessível possível. A fixação em uma âncora narrativa materialmente superficial e potencialmente multifacetada: uma maleta. A paisagem de uma cidade interiorana, ainda não desfalcada paisagisticamente pelo aterrador progresso serviria perfeitamente de cenário para nosso agito, que na realidade já acontecia há alguns dias.
“Perseguição por arte, boicote no meio artístico, vou me apropriar de um babado da gata, eu vou lá e roubo a mala e as ideias, com tudo junto. Ou não, pode também ser uma perseguição em busca da produção, de perseguir a ação criativa, na metáfora da própria arte (que ocupa tantas vezes esse não lugar)”, comenta David Faria. “Na práxis cotidiana residencial que experimentamos naquele momento, buscávamos urgente nossa saciedade de invenções”.
Lembro que no meio dos devaneios criativos e saltados de ambições cogitamos contratar um show de uma banda eletrônica brasileira para tocar em Jotaéfe que obviamente não possuíamos recurso algum para bancar.
Agosto de 2020
Dois anos depois, curto-circuito pandêmico. Todo o arquivo bruto estava estacionado em uma pasta no computador previamente montado. O impasse até então era a trilha sonora – fora a falta de tempo e sobrecarga da vida. Tentativas de criações autorais não foram satisfatórias, muito menos mixagens com obras de terceiros.
E em que ironia me peguei em certa noite quando vi que os prazos finais para o Festival do Primeiro Plano se aproximavam. Aqui estávamos, quase todos nós os participantes do vídeo – tirando Bruno – em Juiz de Fora. Dessa vez na “Princesinha de Minas”, isolados presencialmente, mas habitando a mesma localidade. Pensei: “a hora é agora”. Os vídeos já estavam todos montados, pesquisei algumas trilhas nas plataformas digitais de amigas quando me deparei com a mixagem “One more win”, da minha querida amiga Renajoo e por acaso irmã de Taba, participante da obra audiovisual que vos discorro sobre. Montamos os finalmentes tudo em um dia e meio – à distância. Mandei para as amigas, aprovado. Xzcrzm se inscreveu e lá íamos nós. Em certo saudosismo exacerbado e poucas palavras: “bons tempos”.
“Além dos drinks e da curtição, lembro que sentamos, conversamos durante algumas horas e fizemos o roteiro, todo mundo argumentou! Com uma conversa prévia, a produção simplesmente flui. Demos um play, nos divertimos pra caralho, dias e dias produzindo, todo mundo animava tudo, vamos fazer? Vamos!”, conclui Xzcrzm.
“Foi muito interessante porque apesar de possuirmos um pequeno roteiro, a gravação e o processo foram muito espontâneos. Até porque gravamos na rua, então tem a questão das pessoas que estão circulando ali. Também não tínhamos muito em mente os lugares certos que íamos gravar, fomos fazendo de uma maneira mais orgânica, sentindo o que ficava legal e dando play – o que foi bem legal, porque resultou numa obra muito linda.” complementa Taba. “A escolha dos figurinos foi feita pelo próprio elenco, vestindo peças da Debauxe, e a trilha sonora foi feita por uma amiga também. Sem muita produção e equipamento, conseguimos fazer algo perspicaz e bem feito!”
A finalização desse despretensioso – porém dedicado – trabalho foi de grande prazer para todos os envolvidos, assim como a exibição no Festival – e em outras mostras futuramente. Acreditamos na coletividade enquanto insurgência contra a depressiva letargia do cistema que quer nos abater. E aproveitamos para dizer: debauxe, bebê.