Endless Love (2020), de Duda Gambogi
Por Luiza Reis
Difícil dizer se estava entre os objetivos da realizadora Duda Gambogi homenagear a cidade do Rio de Janeiro, demonstrar sua paixão pela estética dos karaokês ou ressaltar a beleza das pessoas e lugares comuns. A metalinguagem com o formato do próprio objeto de estudo do filme através de sequências que evocam tanto os videoclipes de músicas românticas dos anos 80 quanto os próprios planos de fundo clássicos dos aparelhos antigos de karaokê conferiram à obra um ritmo tão fluido e envolvente quanto as canções que embalam as cenas.
Fidedigno ao imaginário coletivo do Centro do Rio, com seus prédios históricos pichados e botecos que nunca fecham, porém fabuloso e atmosférico, não seria justo tentar encaixá-lo enquanto ficção ou documentário. Essa dualidade é inerente à essência do filme, na medida em que nos conta a história destes cantores amadores, trazendo fragmentos dos momentos fugazes de apresentação, mas sempre embebidos em luzes lisérgicas, uma direção de arte
que preza pela plasticidade e elementos narrativos referenciados no surrealismo.
A experiência da diretora em trabalhos anteriores com videoclipe é percebida nos detalhes, e cada aspecto da mise-en-scène é cuidadosamente pensado sob essa ótica. O curta parece um grande encadeamento de manifestações das perspectivas interiores das personagens ao cantar clássicos do século passado: a adrenalina, a sensação de potência e sensualidade e a força expressiva são materializadas para o espectador tal qual projeções da auto-imagem mental destas pessoas.
A atmosfera onírica se faz presente, com ações que iniciam de maneira repentina, com pouca ou nenhuma conectividade com a cena anterior. Isso confere uma sensação de sonho que nunca acaba e uma estranheza na dinâmica das relações entre as personagens, incluindo aqui a equipe do filme.
Por fim, vale destacar o caráter de resistência dos locais retratados e seus frequentadores, cuja narrativa do curta dá a entender que são clientes assíduos e apaixonados, perpetuando a atividade do karaokê não somente como entretenimento, mas como expressão visceral de seus desejos e anseios mais íntimos.