Como era doce a Vida dentro de um melão

Vida dentro de um melão (2020), de Helena Frade

Por Fernanda Castilho

O curta-metragem Vida dentro de um melão, da diretora mineira Helena Frade, integrou a Mostra Regional do Primeiro Plano – Festival de Cinema de Juiz de Fora de 2020, que neste ano foi totalmente online por conta da necessidade de isolamento social como consequência da pandemia do Corona-vírus, sendo exibido gratuitamente na plataforma de streaming InnSaei.TV. Apesar de não poder ser assistido na grande tela, com os assentos da sala abarrotados, o filme nos dá um pedaço delicioso de vida.
O curta começa com uma família de pessoas-passarinhas sentadas na sala de estar da casa, ou melhor, do melão. Uma animação feita com bonequinhos de pano que ganham vida se mexendo com a ajuda de quase invisíveis fios de nylon, voando com suas asas costuradas delicadamente e minúsculos bicos de pássaro. Além disso, encontramos as mais diferentes miudezas feitas para compor o cenário. Depois, ele nos conta sobre cada uma das pessoas-passarinhas: tem o vô, a vó, a mãe, o pai, a irmã, a gata, e ela, a diretora. Helena segura em suas mãos de pano uma pequeníssima câmera que também grava o momento. Tudo feito à mão e literalmente nos mínimos detalhes.

Dá pra ver e sentir que o avô criou raízes, não somente em sua poltrona e que, por isso, precisa ser regado com muito carinho e tomar em sua caneca muito suco de frutas, porque afinal os pássaros gostam assim. Tão fortes são essas raízes que a diretora as transformou numa obra belíssima sobre a memória e a saudade desses dias cítricos em que vivia ao lado da família num sobrado cercado por um jardim. O pequeno esquete ficcional do início desenrola-se em momento íntimo de tirar do baú fotografias e filmes caseiros desses tempos. Algo como ser convidada a se sentar ao lado de alguém com um álbum de família em mãos e assisti-la contar sobre esses momentos.

As fabulações de Helena nos dão o gosto do que era doce e que, depois de uma grande dor, fica insosso, mesmo que por um tempo. Com a ausência irrevogável de alguém, os dias são preenchidos por coisas como abraçar a poltrona, chorar, ficar pelos cantos da casa… e rememorar. Mas em algum momento, com um olhar cheio de carinho e afeto, o sentimento se transforma e vira um filme.

Um filme sensível e delicado que devolve cores e gosto à vida, com música saborosa composta pelo Baapz e uma equipe formada por mulheres artistas (e amigas) que nos mostra que cinema é, para além da autora, algo feito por muitas mãos, em comunhão, com afeto e com trabalho cuidadoso. A vida dentro de um melão dá muitas sementes. De miudezas e fragmentos, a diretora costura um filme, um imenso filme.