Retratos de uma Jovem em Quarentena (2020), de Iago de Medeiros
1996 (2019), de Rodrigo Brandão
Por Nathan Machado
O uso de câmeras de vídeo em filmes, antes necessárias a qualquer realizador independente sem orçamento para as caríssimas câmeras de película, são hoje populares como um artifício estilístico. O gosto, por vezes metálico e por outras doce, dos ruídos e grãos dos planos fílmicos ofertam viagens nostálgicas para os entusiastas contemporâneos do “charme vintage”, ainda mais excitante para os que não presenciaram essa fase tecnológica do cinema. Entretanto, os programas dessas viagens ao passado podem se assemelhar a dois tipos: uma viagem curta com os amigos para uma cidade vazia do interior, para se divertir descontraidamente; ou uma viagem anual com a família, para o mesmo lugar, o mesmo hotel, com as mesmas conversas.
Em Retratos de uma Jovem em Quarentena, não é apenas o formato e o aspecto tátil da imagem que são manipulados: roupas, acessórios, objetos e sons são também modificados de forma livre e, talvez, até mesmo de forma aleatória. Porém, a possível aleatoriedade tira não só a personagem principal, mas também o espectador do tédio que o confinamento tem proporcionado (ainda há pessoas confinadas, acreditem!). Ao usar combinações de roupas espalhafatosas, peruca Chanel, a personagem se liberta de sua rotina, ou melhor, de seu cabide. Seus movimentos não emitem sons com os quais estamos acostumados, que se harmonizam na desarmonia com sintetizadores, que, assim como nós, chegam de forma contida e só depois percebem que podem e devem mergulhar na alucinação sem ressalvas. O “charme vintage” de Retratos não é uma viagem no tempo, mas sim uma fuga rumo a um mundo onírico, onde tudo está no seu lugar, apesar da bagunça. Um mundo que, contanto que não seja o mesmo de meses e meses, não necessita de leis e, muito menos, explicações para ser.
Já em 1996, o retorno ao retrô se aproxima da devoção. A câmera de vídeo na mão do famoso subgênero do terror, o “found footage” – que, emulando imagens de arquivos em seus planos, conquistava a crença do público na veracidade das histórias – está aqui presente de diversas formas, com fortes reverberações de A Bruxa de Blair (1999) e sua imagem suja e assustadora, mesmo fora de momentos tensos. A escolha pelo uso de estéticas como a deste subgênero é válida para qualquer realizador; não precisamos cair na discussão sobre o “esgotamento” de determinados gêneros e estilos, sempre há possibilidades teóricas e práticas adiante, o cinema se movimenta. 1996, de fato, nos transporta visual e sonoramente de volta para o ano que intitula a obra; a ambiência acinzentada é hostil às personagens, roubando, a cada segundo, a vitalidade – e sanidade – destas. Além disso, os ruídos – secos, sem ar – nos mantém aprisionados no espaço diegético temporal, em companhia das protagonistas. Porém, apesar da efetividade sensorial, o filme se agarra em uma outra prateleira, muito recorrente nas franquias de blockbusters (inclusive nas do próprio “found footage”), que é a repetição de narrativas, apenas com recheios diferentes, sendo, aqui, a lenda local de Varginha. Saber onde há buracos e lombadas, apesar de não impedir o carro de furar seu pneu, nos afasta da trilha que o filme tenta calçar.
Fazer a mesma viagem todo ano não é prejudicial, pelo contrário, certamente se viaja para onde há algum tipo de conforto, um “porto seguro” para sempre voltar. Entretanto, sair pela estrada sem compromisso e sem amarras, mesmo que seja apenas uma forma de distração, é um exercício que, embora perigoso e arriscado, tende a ser ainda mais revigorante para o viajante.